Neste ano, 11 cidades piauienses têm eleição com chapa única. O g1 conversou com uma cientista política para explicar como fica o pleito nesses municípios.
As eleições costumam ser disputadas. Em cada pleito, pelo menos dois candidatos concorrem ao cargo pretendido. Mas esse não é o caso em cidades com apenas um candidato a prefeito, o que vai acontecer em 11 municípios piauienses nas Eleições 2024.
O g1 conversou com a cientista política Daiana Ferreira, doutoranda pela Unicamp, que pesquisa os dados desde 2012. Ela explica como fica o pleito nessas cidades, os fatores que contribuem para esse cenário, os efeitos disso para a democracia e a possibilidade de mudança na legislação.
“A presença de candidaturas únicas é um fenômeno recorrente, embora em pequenas quantidades. Dos 5.568 municípios brasileiros, em 2012, por exemplo, houve 108 casos. Em 2016, esse número foi para 95. Em 2020, houve um aumento para 117, e em 2024 temos mais de 200 casos“, explicou.
Com relação ao Piauí, em 2012 houve quatro casos de candidatura única. No ano de 2016, esse número caiu para um. Em 2020 houve um aumento para quatro casos e agora, em 2024, são 11 casos, com uma recorrência, sendo o caso de Caridade do Piauí, que também estava entre os municípios com apenas um candidato em 2020.
Isso é um fato inusitado, pois não costuma ser recorrente nos mesmos municípios. “Tem pleitos em que apresentam um candidato, mas no seguinte pode ter dois ou mais competidores. Há exceções, mas, até então, elas aconteceram em cidades do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina”, disse.
A pesquisadora afirmou que o fenômeno se concentra principalmente nas regiões Sul e Sudeste, principalmente nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. “Embora ele se apresente em menor quantidade em outros estados, é nítida a concentração nesses estados”, disse.
Como fica o pleito
Nas cidades com candidato único as eleições funcionam como nas demais, ou seja, o candidato que receber a maioria dos votos válidos é eleito. Isso significa que basta um voto, que pode ser até do próprio candidato, para ele ganhar a eleição.
E se a maioria dos eleitores votar em branco ou nulo? Os votos dessas duas formas são inválidos. Ou seja, eles não têm nenhum efeito no pleito. A diferença é apenas como cada eleitor deseja invalidar o próprio voto.
Por isso, mesmo que mais da metade dos votos sejam nulos ou brancos, não é possível cancelar uma eleição, pois a Justiça Eleitoral não considera esses votos, somente os votos dados a candidatos – os chamados votos válidos.
O impacto é a diminuição da quantidade de votos válidos que um candidato precisa para ser eleito. Como para o candidato único basta um voto válido, é muito improvável ele não receber sequer um voto.
Caso isso aconteça, o presidente da Câmara Municipal assume a prefeitura enquanto uma nova eleição é realizada.
Municípios com candidaturas únicas
“Geralmente, os municípios em que acontece são muito pequenos, de até 5 mil eleitores, geralmente são cidades onde grande parte da população vive na zona urbana, mas também há uma parcela significativa da população que reside na zona rural”, explicou Daiana Ferreira.
No Piauí, além de Caridade do Piauí, nas Eleições 2024 as candidaturas únicas foram registradas ainda em Antônio Almeida, Barra D’Alcântara, Bela Vista do Piauí, Belém do Piauí, Cocal de Telha, Floresta do Piauí, Jacobina do Piauí, Riacho Frio, Santo Antônio dos Milagres e São José do Piauí. A média de habitantes dessas cidades não chega a 5 mil.
Fatores que contribuem
Sobre os fatores que contribuem para o cenário das candidaturas únicas, a pesquisadora destaca a presença de coligações. “Na maioria dos municípios os candidatos fazem uso de coligações eleitorais, nós podemos destacar o acordo entre as elites políticas locais”, afirmou.
Daiana Ferreira aponta também a dificuldade de financiamento das eleições, além do desestímulo e a desconfiança da população em participar do processo eleitoral. Outro ponto é a dificuldade financeira para mobilizar o eleitor a participar e concorrer nos pleitos eleitorais.
Há casos também em que houve impugnação do candidato concorrente. “É um dos fatores que podem gerar as candidaturas únicas. O município teve dois ou mais concorrentes, mas as candidaturas dos concorrentes foram impugnadas e restou apenas um candidato”, pontuou.
Mais um fator possível é a falta de recursos financeiros por parte da oposição de mobilizar uma candidatura e incentivar o eleitorado a votar.
Efeitos para a democracia
“É preciso refletir as implicações. Um dos princípios básicos da democracia é a existência de competição, a pluralidade, a oportunidade que o cidadão tem de escolher entre diferentes propostas de entre diferentes histórias e trajetórias de vida dos candidatos”, declarou Daiana Ferreira.
As implicações em municípios de candidatura única são estão, por exemplo, no fato de que o eleitor não vai ter a oportunidade de comparar programas de governo e trajetórias de vida, por exemplo.
“Pode acabar desestimulando a participação e o envolvimento dos eleitores em um dos eventos de maior participação política dentro da democracia, que são as eleições”, afirmou a pesquisadora.
Segundo a cientista política, outro fator de implicação é que um dos princípios da democracia é a incerteza dos resultados eleitorais e nos casos de candidatura única o resultado está praticamente predeterminado, o eleitor já sabe quem vai ser o candidato vitorioso.
“Porque apenas um voto é necessário para que esse voto pode ser o do próprio candidato, então isso acaba também limitando as possibilidades de escolha do eleitor e pode provocar um desestímulo a sua própria participação”, explicou.
Possibilidade de mudança na legislação
Com relação à possibilidade de mudança legislação eleitoral, Daiana Ferreira afirmou que, embora o assunto seja discutido, não há nada de concreto sobre uma futura alteração.
“Acredito que, principalmente, pelo fato de que é um fenômeno que acontece em poucos municípios e em municípios muito pequenos, e, talvez, não chame tanta atenção dos legisladores”, afirmou a cientista política.
Contudo, a pesquisadora acredita que o problema poderia ser resolvido com a exigência de pelo menos dois candidatos. “A legislação não limita, não obriga que deva ter dois ou mais candidatos concorrentes para haver eleição e esta eleição seja legítima”, disse.
“Então acredito que uma das formas de minimizar ou de acabar com esse fenômeno da candidatura única seria a existência de um mecanismo legal que limitasse a existência de eleições a um número mínimo de dois competidores”, pontuou.
Fonte: G1