O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a relativizar as críticas ao regime de Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, ao afirmar nesta quinta (29) que há diferentes visões sobre o que é democracia.
“O conceito de democracia é relativo para você e para mim. Gosto de democracia porque a democracia me fez chegar à Presidência pela terceira vez. Por isso gosto de democracia e a exerço na sua plenitude. O mundo inteiro sabe que a governança do PT aqui é exemplo de exercício da democracia”, disse Lula.
O presidente brasileiro havia sido questionado acerca dos motivos pelos quais ele e seu governo hesitam em cravar que o regime de Maduro não é uma democracia.
Para reforçar seu argumento, Lula ressaltou que a Venezuela teve mais eleições que o Brasil nos últimos anos ?não mencionou, porém, que o pleito que reelegeu Maduro em 2018 é amplamente questionado e não foi acompanhado por observadores internacionais, como é praxe em eleições livres e democráticas.
Em seguida, o presidente brasileiro desviou o foco e passou a falar da política interna e dos ataques golpistas do 8 de Janeiro, com críticas a Jair Bolsonaro (PL), embora sem citá-lo nominalmente.
“Não tivemos um cidadão aqui, um sabidinho que não quis aceitar o resultado eleitoral? Não tivemos um cidadãozinho aqui que quis dar golpe no dia 8 de janeiro? Tem gente que não quer aceitar o resultado eleitoral”, afirmou Lula em entrevista à Rádio Gaúcha, acrescentando que ele próprio foi derrotado por Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso e aceitou o resultado dos pleitos.
Lula então voltou a comparar Brasil e Venezuela ao classificar de tentativa de interferência o fato de que alguns países, incluindo o Brasil, reconhecerem Juan
Guaidó, então presidente do Legislativo venezuelano, como líder legítimo do país. “As pessoas têm de aprender a respeitar o resultado das eleições. O que não está correto é interferência de um país em outro. O que fez o mundo tentando eleger Guaidó presidente da Venezuela, um cidadão que não tinha sido eleito? Se a moda pega, não tem mais garantia na democracia.”
“Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições. Agora vai ter eleições. Derrota e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver uma eleição honesta, a gente fala”, completou.
Lula também disse ter cobrado Maduro sobre o pagamento da dívida com o Brasil e acrescentou que vai conversar com o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, sobre a perseguição de seu regime a representantes da Igreja Católica. “Temos um problema na Nicarágua. Vou conversar com o presidente, porque tenho relação para conversar, tem que resolver os problemas com a igreja. Mas cada país toca o seu destino.”
Esta não foi a primeira vez que uma fala de Lula sobre a Venezuela relativiza as críticas ao regime. No mês passado, ao receber em Brasília presidentes e líderes de países da América do Sul, o brasileiro chamou de “narrativa” a visão de que Caracas está sob uma ditadura. “Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você.”
Apesar da demonstração de apoio, o Brasil deve deixar de lado a questão da reintegração da Venezuela ao Mercosul durante a cúpula do bloco que acontecerá na semana que vem, em Puerto Iguazú, na Argentina.
O assunto deve ter poucos avanços no segundo semestre, quando o Brasil assume a presidência pró-tempore do Mercosul. No entanto, membros da diplomacia brasileira reconhecem que é do interesse do país o retorno da Venezuela ao bloco. “[Se o Brasil] pretende levar [a questão da reintegração à Cúpula do Mercosul], diria que não. Agora, se é do interesse do Brasil ter a Venezuela de volta, sim. Mas precisam ser cumpridas certas condições, as condições de ingresso de qualquer país do Mercosul”, afirmou a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, Gisela Maria Figueiredo Padovan, a jornalistas.
A diplomata relembra que a suspensão inicial da Venezuela se deu justamente pelo não cumprimento de seus instrumentos. Só depois o país foi afastado por ruptura da ordem democrática, em 2017, com base nas cláusulas do Protocolo de Ushuaia. Padovan acrescentou que, mesmo sem a previsão de discussões do tema na agenda, o assunto deve ser debatido em algum momento, embora sem caráter decisório.
ACORDO ENTRE BLOCOS
Lula viaja para participar da cúpula na terça (4). Outro assunto que não terá uma solução discutida será a resposta do Brasil e de seus parceiros de bloco à “side letter”, protocolo adicional com exigências ambientais imposto pelos europeus para concluir o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
“Na verdade, a posição do presidente para a cúpula é a reafirmação em seguir com a agenda externa do Mercosul, a necessidade de fazer ajustes nos textos que foram recebidos e negociados, mas com uma clara sinalização política de que há interesse em avançar nos acordos”, afirmou o embaixador Maurício Carvalho Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores.
O diplomata, porém, acrescenta que a proposta para a União Europeia “não tardará” e só não será discutida na cúpula porque envolve discussões mais detalhadas. Ela será em breve encaminhada para os outros países do bloco, para depois o texto conjunto a ser enviado aos europeus ser formalizado.
Lula tem manifestado preocupação com o acordo fechado em 2019, em particular com a questão das compras governamentais. Soma-se a isso a questão da “side letter”, à qual o governo brasileiro defende a retirada dos mecanismos de sanções, já que pressupõe-se uma relação de confiança entre as partes.
Fonte: RENATO MACHADO, Folhapress