A Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou sobrepreço e superfaturamento em obras de pavimentação defeituosas realizadas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Os dados constam de relatório concluído pelo órgão de controle e tornado público na última terça-feira (4).
A avaliação incluiu 30 contratos assinados entre 2018 e 2020 que somavam R$ 235 milhões e envolviam obras em 12 dos 16 estados em que a empresa estatal atua. Na análise, os auditores identificaram:
- atrasos na maior parte dos contratos;
- empoçamento (retenção) de recursos disponibilizados;
- fragilidades no processo de fiscalização;
- irregularidades em documentação e acompanhamento das obras;
- vícios construtivos e
- defeitos nas vias pavimentadas
Ao longo do processo de auditoria, a Codevasf foi questionada sobre as conclusões dos auditores. A estatal informou, por exemplo, que um sistema está sendo criado para produzir um banco de demandas de pavimentação dos municípios. A empresa também informou reforço no treinamento dos fiscais de contratos e na padronização de normas, além de ajustes nas regras de editais já publicados após as auditorias.
O g1 procurou a Codevasf e aguardava resposta até a última atualização desta reportagem.
Por conta dos problemas identificados, os auditores fizeram recomendações que incluem contratações para reforço na fiscalização, ajuste em normas internas para editais e contratos e na medição das obras. Caberá à Codevasf se adequar às recomendações.
Danos aos cofres públicos
Segundo a CGU, 22 dos 30 contratos analisados tiveram “alguma forma de dano potencial ao erário”, ou seja, tiveram indícios de sobrepreço, superfaturamento ou problemas como obras em dimensão desnecessária. Ao todo, os problemas teriam causado um impacto de R$ 22,96 milhões, dos quais R$ 4,4 milhões já haviam sido corrigidos pela própria Codevasf.
“Em relação à adequação dos projetos, sua suficiência e compatibilidade com os serviços implantados, bem como à compatibilidade de custos das obras com os valores de mercado, verificou-se diversas falhas, desde projetos deficientes e execução de serviços incompatíveis com os previstos em projeto e, por vezes, na planilha orçamentária”, concluíram os auditores.
Parlamentares decidem o asfalto
No relatório, a CGU repete alertas feitos ao longo dos últimos anos quanto ao impacto das emendas parlamentares no trabalho da estatal, especialmente das chamadas emendas de relator. Essas emendas ficaram conhecidas como orçamento secreto, em razão da baixa transparência no uso e destinação dos recursos.
Um exemplo apontado pela CGU é na definição das obras a serem realizadas, que — na visão dos auditores — se baseia apenas na indicação expressa dos parlamentares, incluindo locais e até o tipo de pavimento a ser utilizado.
“Não nos parece razoável que escolha da solução técnica a ser empregada na pavimentação seja também definida pelo Legislativo, tendo em vista que tal decisão carece de estudos técnicos para garantir que o tipo de pavimento executado seja aquele que melhor atende ao interesse público em termos de custo e benefícios”, diz o relatório.
Ao tratar do tema, os auditores apontam obras realizadas sem documentação formal com as justificativas para a decisão sobre os municípios beneficiados, sem identificação do responsável ou mesmo explicação para o motivo de uma rua receber as obras e outra não. Em alguns casos, não havia sequer os municípios que receberiam as obras quando o contrato foi assinado.
O relatório também traz casos com indícios de que substituições das ruas beneficiadas foram feitas a pedido dos parlamentares.
Até o tipo de pavimento a ser utilizado é alterado sem explicação, inclusive para alternativas mais caras, “ocasionando em alguns casos ganhos desproporcionais às contratadas” segundo o texto. Em pelo menos um contrato a CGU identificou asfaltamento de área particular como se fosse pública.
Buracos na fiscalização
A execução física das obras também apresenta problemas em quase dois terços dos contratos analisados.
Apesar das obras serem recentes, os auditores identificaram afundamentos e trincas em obras concluídas há menos de dois anos no Amapá.
Na Bahia, obras iniciadas em 2019 já mostravam defeitos em elementos de drenagem, meio-fio, sarjetas e calçadas. E em Sergipe, os auditores alertaram que parte da obra coloca em risco os veículos que passam pela estrada.
“As equipes de auditoria identificaram diversas fragilidades no processo de fiscalização das obras, com irregularidades tanto na documentação quanto no acompanhamento e medições dos serviços. Tais achados estão relacionados aos vários vícios construtivos e defeitos observados nas vias pavimentadas pela Companhia, as quais, foram construídas recentemente, e, portanto, não deveriam manifestar patologias”, diz o documento.
Os auditores encontraram casos com problemas em questões primárias, como erros em operações matemáticas, que apontam falhas na fiscalização. Uma cidade beneficiada pelas obras informou não ter recebido qualquer documento dos estudos prévios para avaliar a qualidade da execução.
Segundo a CGU, quatro em cada cinco contratos analisados tiveram problemas no preenchimento de documentos obrigatórios para acompanhamento dos trabalhos, os chamados “diários de obras”. Em quatro deles, o documento que deveria trazer informações atualizadas frequentemente sobre o andamento das ações tinha apenas uma página. Em pelo menos um caso analisado, o documento foi totalmente feito após a obra.
Parte do problema na fiscalização está na não realização de serviços pelas empresas contratadas, mas há falta de fiscais na estatal. “Frente ao elevado número de obras espalhadas em diversos municípios entende-se que não é possível aos fiscais acompanhar todos os ensaios necessários”, diz o documento.
Fonte: g1