Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), incluindo caminhoneiros, iniciaram na noite deste domingo (30) bloqueios em estradas pelo país em protesto contra o resultado das eleições, que teve Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como vencedor na disputa pelo Planalto. Os manifestantes pedem um golpe.
A PRF (Polícia Rodoviária Federal) registrou nesta segunda (31), até final da noite, 321 pontos de bloqueios ou aglomerações em vias de 25 estados e no Distrito Federal.
Segundo a PRF, há bloqueio ou interdição no Acre (2), em Alagoas (4), no Amazonas (4), na Bahia (2), no Ceará (1), no Distrito Federal (1), no Espírito Santo (10), em Goiás (12), no Maranhão (4), em Minas Gerais (17), em Mato Grosso (24), em Mato Grosso do Sul (32), no Pará (29), na Paraíba (1), em Pernambuco (1), no Piauí (1), no Paraná (34), no Rio de Janeiro (14), no Rio Grande do Norte (2), em Rondônia (19), em Roraima (3), no Rio Grande do Sul (47), em Santa Catarina (46), no Sergipe (1) em São Paulo (8) e em Tocantins (2).
Por precaução, a Polícia Militar do Distrito Federal bloqueou parte da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A região compreende a Praça dos Três Poderes, onde fica o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF (Supremo Tribunal Federal).
A PRF, no entanto, não agiu sobre os bloqueios. Em um vídeo ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, agentes da PRF dizem que a ordem é só permanecer no local. “A única coisa que eu tenho a dizer nesse momento é a única ordem que nós temos é estar aqui com vocês, só isso”, disse um policial que acompanhava um bloqueio em Palhoça (SC).
Em um outro vídeo, um policial em Rio do Sul (SC) disse que estaria ali para monitorar a manifestação, mas não emitiria nenhuma multa. “Outro compromisso que eu faço com vocês aqui, nenhum veículo que está aqui na manifestação será alvo de qualquer notificação. Eu não vou fazer multa nenhuma”, disse o policial, sendo aplaudido em seguida.
Pouco antes das 22h, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que o governo adote imediatamente “todas as medidas necessárias e suficientes” para desobstruir as rodovias ocupadas em protesto pelo resultado das eleições. Ele também determinou prisão de diretor da PRF em caso de descumprimento.
A medida inclui a atuação de homens da Força Nacional e das Polícias Militares, além da PRF (Polícia Rodoviária Federal). O pedido foi feito pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes).
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse por sua vez que determinou reforço do efetivo da PRF para normalizar o fluxo nas rodovias. A declaração foi dada nas redes sociais na noite desta segunda.
Em nota enviada antes da decisão de Moraes, a PRF disse que sempre trabalhou com o compromisso constitucional de garantir a mobilidade eficiente, a preservação da ordem pública, a segurança viária e o combate ao crime organizado nas rodovias federais brasileiras.
A instituição falou ainda que está em todos os locais de bloqueio com efetivo mobilizado e permanece trabalhando para o fluxo livre das rodovias federais.
No domingo (30), a PRF descumpriu ordem de Alexandre de Moraes ao intensificar operações contra o transporte público de eleitores. O diretor-geral da polícia, Silvinei Vasques, foi ao TSE dar explicações sobre o episódio.
Em resposta à mobilização nas estradas, o MPF (Ministério Público Federal) abriu nesta segunda apurações sobre as circunstâncias dos bloqueios em rodovias federais. O órgão cobra providências da PRF, que terá 24 horas para enviar explicações sobre o caso.
Procuradores da República nas cinco regiões do país já instauraram procedimentos sobre a situação e apontam o cometimento, em tese, do crime contra o Estado democrático de Direito.
Um dos documentos ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso afirma que as motivações dos protestos “mostram-se explicitamente contrárias ao estado democrático de direito, requerendo intervenção militar por mero descontentamento com o resultado das eleições presidenciais”.
A PRF também disse que acionou a AGU (Advocacia-Geral da União) para obter uma liminar da Justiça Federal “como forma de garantir pacificamente a manutenção da fluidez nas rodovias”.
Integrantes do MPF, porém, entendem que a PRF tem condições de agir administrativamente contra os bloqueios, por exemplo a aplicação de multas, sem a necessidade de um respaldo judicial.
À Folha de S.Paulo, a AGU informou que pareceres jurídicos da instituição dão aval à atuação de ofício da PRF (sem a necessidade de levar o assunto à esfera judicial), como ocorreu em 2018, por ocasião da greve dos caminhoneiros no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Relatos de que caminhoneiros bolsonaristas decidiram bloquear estradas começaram a circular nas redes sociais tão logo a corte eleitoral anunciou a vitória de Lula sobre Bolsonaro. Vídeos que circulam na internet mostram pneus pegando fogo em vias. Em um deles, é possível ouvir o hino nacional ao fundo.
Em São Paulo, manifestantes se concentraram na marginal Tietê, considerada a principal via expressa da capital, interligando as regiões oeste, norte, central e leste. No início da noite desta segunda, o protesto ocorria no sentido Ayrton Senna, junto à ponte das bandeiras. As pistas 1, 2 e 3, mais rápidas, foram fechadas pelos manifestantes -apenas a 4 era transitável. A lentidão chegava a 6,3 km.
Com bandeiras do Brasil, eles gritavam “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.
No Rio, um grupo de manifestantes chegou a interditar parcialmente um dos acessos à ponte Rio-Niterói, que liga a capital fluminense a municípios da região metropolitana do outro lado da Baía de Guanabara. Eles queriam subir na ponte para bloquear o fluxo de veículos, mas recuaram após negociações com agentes.
Nas rodovias, um dos principais pontos de bloqueio foi na Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. A paralisação, na altura de Barra Mansa (RJ), travou totalmente a via. O congestionamento chegou a pelo menos 18 quilômetros no sentido Rio e 10 quilômetros no sentido São Paulo, segundo a concessionária CCR RioSP.
Parte dos manifestantes colocou bandeiras do Brasil em seus caminhões e carros. Alguns usavam camisetas verde-amarelas, além de adesivos de Bolsonaro.
Os atos também têm relatos de ânimos exaltados e confusão. Segundo a PRF, foi registrado um caso de vandalismo contra o carro de uma mulher. A entidade não deu mais detalhes sobre o episódio.
Ambulâncias e viaturas policiais teriam ficado trancadas. Também há registro de pessoas que passaram mal em ônibus retidos no congestionamento, de acordo com a PRF.
O bloqueio da via levou o polo automotivo da Stellantis em Porto Real, no Rio de Janeiro, a suspender a produção nesta segunda. O principal terminal rodoviário do Rio de Janeiro registrou uma queda de 80% nas viagens para São Paulo por causa das manifestações nas principais rodovias nesta segunda.
Nas rodovias Anhanguera e na Bandeirantes, no interior de São Paulo, cinco bloqueios causaram 37,7 km de congestionamento no início da noite desta segunda. Segundo boletim enviado às 18h50 pela concessionária responsável pelas rodovias, a CCR Autoban, o sistema tem congestionamentos nas regiões de Campinas, Limeira, Jundiaí e Hortolândia.
Segundo boletim das 20h19 da CCR ViaOeste, que administra o sistema Castello-Raposo, há registros de bloqueios em quatro pontos no início da noite desta segunda.
No km 101 da rodovia Raposo Tavares (SP-270), na região de Sorocaba, os manifestantes bloquearam ambos os sentidos. Às 19h30, eram 500 metros de congestionamento na pista leste (capital) e de 3 km no sentido interior.No km 52, em Araçariguama, manifestantes bloquearam ambos os sentidos. Às 19h30, eram 3 km de fila em cada sentido da rodovia.
No km 26, na região de Barueri, há o bloqueio parcial de pista no sentido interior. O tráfego segue pela faixa da esquerda, e o congestionamento atinge 3 km.
Os caminhoneiros foram importante base de Bolsonaro em 2018, mas o apoio da categoria refluiu nos últimos anos, principalmente com o aumento no preço dos combustíveis. Recentemente, o presidente anunciou a antecipação do auxílio pago aos profissionais autônomos, o que foi visto como uma tentativa de impulsionar a campanha pela reeleição entre o grupo.
No Telegram, um grupo chamado “Caminhoneiros e Agro pelo Brasil” reúne cerca de 890 pessoas. Em mensagens, usuários mencionam o artigo 142 da Constituição Federal, comumente citado por apoiadores do atual presidente para defender a hipótese da legalidade de um golpe. “Dia de Finados já queremos que tenham tido a intervenção militar”, escreveu um dos integrantes na noite deste domingo.
A descrição do grupo diz que a ideia é “fazer o maior protesto da história desses planeta”. “Não aceitamos a covardia que foi feita com o povo trabalhador brasileiro, nós que contribuímos muito para o funcionamento do país, não podemos mais ser tratados como lixo”, diz o texto.
O deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, disse em nota que os caminhoneiros não irão parar para protestar contra o resultado das eleições.
A categoria “não participa e nem participará de nenhum movimento de paralisação ou bloqueio de rodovias para protestar e questionar o resultado das eleições que elegeu o candidato Luiz Inácio Lula da Silva como novo Presidente do Brasil”, afirmou.
Fonte: Folhapress (Leonardo Augusto, Rafaella Barros, Felipe Nunes, Leonardo Vieceli, Rafael Balago, Thiago Bethônico, João Pedro Pitombo, Nicola Pamplona, Vinicius Sassine, Fábio Bispo, Alexa Salomão, Raquel Lopes, Marcelo Rocha e Mauren Luc