O desempenho de Pablo Marçal (PRTB) nas redes sociais na corrida pela prefeitura de São Paulo já supera o fenômeno digital representado por Jair Bolsonaro em 2018, indica uma análise da consultoria digital Bites, informa a coluna de Malu Gaspar, de O Globo.
O levantamento reuniu dados que comparam a trajetória digital dos dois políticos no período eleitoral e demonstrou que, embora ambos tenham forte dependência das redes sociais para fazer campanha, já que não têm propaganda na TV, Marçal não só parte de uma base de seguidores mais ampla como tem um domínio mais sofisticado das redes.
Os números compilados a pedido da equipe do blog levam em conta as performances de Bolsonaro entre agosto e outubro de 2018, período que compreendeu o início da campanha eleitoral e o primeiro turno da eleição presidencial daquele ano, e a do candidato do PRTB desde o início deste mês. Foram levados em conta os perfis oficiais de Pablo Marçal, suspensos por decisão da Justiça Eleitoral no último sábado (24).
Marçal já registra uma vantagem expressiva sobre o ex-presidente no engajamento e volume de buscas no Google a 40 dias do pleito em São Paulo. O coach soma 76,2 milhões de interações no Instagram, Facebook, X e YouTube, quatro vezes mais do que Bolsonaro em toda a campanha de 2018 (16,2 milhões). A conta considera comentários, curtidas, compartilhamentos e retuítes nas plataformas.
Já no Google, Pablo Marçal tem alcançado 700 mil buscas por mês, contra 583 mil do ex-presidente no período avaliado.
Jair Bolsonaro também ganhou 800 mil seguidores nas redes sociais no mesmo período em agosto de 2018. Considerando o intervalo até o primeiro turno daquela eleição, ele saltou de 8,6 milhões de seguidores para 14 milhões.
Pablo Marçal, que tinha 16,5 milhões de seguidores no início de agosto deste ano, ganhou 1,3 milhão desde então, considerando as redes bloqueadas pela Justiça. Nas primeiras 72 horas após o bloucontas reserva criadas após o bloqueio, ele angariou 3,8 milhões de seguidores.
Os números dão a dimensão da força de Marçal, que já vinha liderando índices de popularidade digital desde que se lançou candidato ao comando de São Paulo, em maio, e explicam a apreensão no bolsonarismo em torno da figura do coach. O último Datafolha mostrou que 44% dos eleitores de Bolsonaro em 2022 pretendem votar em Marçal, apesar do apoio do ex-presidente ao prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A comparação com Jair Bolsonaro chama ainda mais atenção pelo fato de que o coach disputar um cargo de menor projeção, mesmo sendo São Paulo, a maior metrópole da América Latina.
No entorno do ex-presidente, que está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há o temor de que Marçal possa assumir a liderança da direita em 2026 com seu capital digital, o que impulsionou uma ofensiva com uma série de ataques do clã Bolsonaro ao candidato do PRTB.
Estratégia sofisticada
No ambiente digital, a Bites aponta uma diferença nítida entre o ex-presidente e o empresário: a operação de Marçal nas redes sociais é bem mais complexa do que a capitaneada por Carlos Bolsonaro (PL-RJ) em 2018.
“O domínio de Marçal é mais sofisticado em função da sua experiência anterior como coach. São anos de treino no ambiente online”, explica Manoel Fernandes, diretor-executivo da Bites.
A projeção nesse nicho de carreira e auto-ajuda garantiu uma base ampla de seguidores que não tratam só sobre política e que já têm um vínculo sólido com a figura de Marçal.
Além disso, segundo estrategistas de campanhas adversárias em São Paulo, essa condição privilegiou o candidato do PRTB em relação aos demais. Os algoritmos de redes como o TikTok aplicam filtros que reduzem o alcance de publicações de teor político, e Marçal ainda não é imediatamente associado a essa categoria.
Como publicamos no blog no último sábado (24), Pablo Marçal dispõe de uma comunidade de 150 mil membros na plataforma Discord, popular entre adeptos de jogos online, para a disseminação de recortes de suas falas em debates, sabatinas e lives em perfis pulverizados nas redes sociais. O canal opera sob a promessa de monetização do conteúdo a partir de tutoriais e foi questionado na Justiça Eleitoral pelo PSB da adversária Tabata Amaral.
A plataforma permite alcançar um público amplo e capilarizado e, junto com o Instagram, cumpre função semelhante à do Whatsapp para Bolsonaro em 2018 – com a diferença de que o Discord, ao contrário do WhatsApp, não sofre vigilância tão ostensiva nem adotaram mecanismos para coibir o compartilhamento de mensagens em massa e de conteúdos falsos.
Desde o último sábado, quando suas redes foram suspensas, o perfil reserva que ele criou no Instagram já soma 3,2 milhões de seguidores.
Mas não só de diferenças são feitos os fenômenos Marçal e Bolsonaro. A semelhança mais evidente é o fato de que ambos deram início à campanha eleitoral sem tempo de televisão – o nanico PSL de Bolsonaro tinha oito segundos na TV em 2018, enquanto o PRTB de Marçal não terá direito ao horário eleitoral gratuito por não ter atingido a cláusula de barreira.
O partido do coach, aliás, foi a única legenda da coligação de Bolsonaro em 2018 além do PSL. Era o partido do vice, Hamilton Mourão, hoje senador pelo Republicanos.
Após largarem com vantagem nas mídias sociais, os dois políticos, mesmo filiados a partidos nanicos, se sobressaíram perante concorrentes que formaram grandes coligações de olho na fatia do horário eleitoral gratuito na TV e no rádio – como o prefeito Ricardo Nunes (MDB), na corrida deste ano, e Geraldo Alckmin (PSDB) no paralelo de 2018.
Bolsonaro começou sua trajetória ascendente nas redes sociais durante o impeachment de Dilma Rousseff e circulou pelo país como pré-candidato à presidência anos antes da disputa eleitoral da qual saiu vitorioso.
Os dois também capricharam no discurso antissistema que prospera nas redes sociais e tiveram o potencial subestimado pelos políticos tradicionais.
Além disso, por adotarem uma retórica agressiva, de subversão das regras e dos rituais políticos e de confronto com a mídia, ambos desnorteiam os adversários, uma vez que as fórmulas tradicionais não servem para combatê-los.
Essa retórica acaba pautando a mídia tradicional, o que serve para compensar a barreira da falta de tempo de TV e ajuda a furar as bolhas para alcançar eleitores que não se pautam ou se informam pela internet.
Fonte: Blog da Malu Gaspar, O Globo