Um ano depois de sua morte, Diego Maradona continua a ser notícia.
As mais recentes giram em torno das denúncias de supostos abusos e maus tratos que teriam sido cometidos por ele contra uma ex-namorada, a cubana Mavys Álvarez, que teve um relacionamento com o ex-jogador de futebol quando ela ainda era menor de idade.
O caso está sendo investigado pela Justiça argentina, assim como as circunstâncias da morte de Maradona em sua casa, em 25 de novembro do ano passado.
O inquérito para definir os responsáveis já gerou processos contra sete pessoas, incluindo seu médico, seu psiquiatra e sua psicóloga.
Ao mesmo tempo, nos últimos dias, a imagem do ex-capitão da seleção argentina está espalhada por toda Buenos Aires.
Ao recontar a vida – e as polêmicas – do jogador, o programa contribui para manter vivo o mito em torno de uma das personalidades mais admiradas e criticadas da Argentina.
‘Vida cheia de tragédias e amor’
É como escreveu o escritor peruano Mario Vargas Llosa: “as séries são hoje o equivalente às novelas” que geravam furor no passado.
Mas a pitada a mais destas séries é que elas são, nos casos de Maradona e outros personagens latino-americanos bastante populares, baseadas em fatos reais e nos seus momentos de glória e de decadência.
O diretor argentino Alejandro Aimetta, que dirigiu a série da Amazon sobre o ex-jogador argentino, diz que “a vida é cheia de tragédias e de amor”.
Ao retratar a trajetória de pessoas que poderiam ter tido uma vida comum e que de alguma forma se destacaram, isso”nos lembra de que tudo é possível”.
Para o diretor, a realidade pode muitas vezes superar a ficção, e o espectador se vê muitas vezes espelhado em momentos da vida de seu ídolo.
“Apesar das dificuldades, personagens como Maradona mostram que vale a pena se atrever. Alguns foram bem na vida e outros, não. Mas, no fim das contas, todos queremos que nos amem”, diz Aimetta à BBC News Brasil.
Velório
A sociedade, avalia o diretor, espera que “seus heróis” construam suas próprias “expectativas e esperanças”, mas quando eles estão por baixo, esse sentimento volátil também pode mudar em relação ao personagem real.
Foi o que aconteceu com Maradona, quando já estava doente e prestes a morrer, sugere Aimetta.
O velório reuniu, porém, uma multidão nos arredores da Casa Rosada.
Na confusão, naquele dia de forte calor, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, usou um megafone para pedir calma aos fãs do ex-jogador.
Na confusão, o corpo de Maradona foi retirado pelos fundos rumo ao cemitério, já que, como contou um dirigente de um clube de futebol, sob a condição do anonimato, o plano de parte da torcida era “sequestrar o caixão e levá-lo para algum estádio, onde mais gente pudesse vê-lo na despedida”.
Aimetta prefere não revelar se as cenas do velório, com repressão policial e correrias, também farão parte das novas temporadas da série.
Futebol, drogas e escândalos
A produção da série, meses antes da morte de Maradona, incluiu dez entrevistas com o craque.
Seu depoimento ajudou no desenvolvimento dos personagens e no retrato de sua infância pobre, quando já mostrava sua devoção pelo futebol, de sua juventude nos campos e de sua vida adulta, com o envolvimento com drogas e escândalos.
A série começou a ser filmada em 2019, na Argentina, na Espanha, na Itália, no Uruguai e no México.
O roteiro foi redigido também a partir de entrevistas com pessoas ligadas a Maradona, diz o diretor.
“Não sabemos se ele viu. Nós fomos enviando para ele os capítulos que íamos terminando, mas não sei se ele chegou a vê-los”, afirma Aimetta.
Pelé e ‘pouca roupa’
Desde a estreia da série, no início do mês, cada capítulo rendeu comentários e polêmicas.
Como a adaptação do encontro entre Maradona e Pelé que, na ficção, incluiu “mulheres com pouca roupa e uma delas de topless“, segundo a resenha, em tom crítico, do jornal La Nación.
“Inventar essa versão (do encontro) é uma loucura total e uma falta de respeito com a família de Pelé “, teriam dito pessoas próximas dos que participaram do encontro, realizado em 1979, no Rio de Janeiro, segundo publicou o jornal argentino.
“Era algo para contar a partir de poucas cenas, que foi o contato entre estes dois ídolos e tinha relação também com um choque cultural e as diferenças entre os dois países”, diz Aimetta à BBC News Brasil.
Para Aimetta, não houve ofensa na cena na série que definiu como sendo “biográfica e, ao mesmo tempo, ficcional”.
O escritor cubano Marcial Gala dizia que “uma boa série deve resultar tão controversa quanto um bom romance”.
No caso de Maradona, séries podem reforçar a ideia de que um ídolo é “um grande homem, apesar de certas baixarias e mediocridades”, diz Aimetta.
Nas rodas de conversa na Argentina e no Uruguai, essa relação de, digamos, “amor e repulsa” é notória.
Há quem não perdeu um capítulo sequer da série e entendem seus momentos difíceis. Já outros dizem “não vi e não gostei”.
Altos e baixos
Maradona não é a única personalidade latino-americana que teve sua vida retratada nas telas em meio a polêmicas.
Há poucos dias, a terceira temporada da série sobre o cantor mexicano Luis Miguel gerou controvérsias e levou o artista a escrever em suas redes sociais que “a série da Netflix é ficção”. “Não é 100% verdade”, declarou.
Em uma entrevista recente à Dalma Maradona, uma das filhas de Maradona, em um programa de rádio, o ator mexicano Diego Boneta, que interpreta Luis Miguel, disse que o cantor e o ex-jogador compartilham “certas semelhanças”.
Dalma complementou destacando a “loucura que provocaram (entre os fãs)”.
Boneta disse que esta é a temporada “mais ousada e arriscada” sobre a vida do cantor.
“Esta temporada aborda um Luis Miguel em seu melhor momento, mas também em seu momento mais complicado, o que a torna muito interessante”, disse.
Outro com uma vida bastante controversa foi o traficante Pablo Escobar, tema de séries na Netflix (Narcos, com Wagner Moura, e Patrón del Mal) e que, como Maradona e Luis Miguel, já rendeu vários livros.
Autora do livro Amando Pablo, odiando Escobar, a apresentadora colombiana de televisão Virginia Vallejo costuma explicar a diferença, em sua visão, sobre Escobar, de quem foi amante.
Ela lembra que, quando o conheceu, ele ajudava os bairros pobres de Medellín, até que passou a mandar matar autoridades do país, tornando-se um símbolo da criminalidade na Colômbia.
O historiador e dramaturgo venezuelano Luis Britto García diz que um ídolo (para o bem ou para o mal) não tem uma trajetória simples, mas, principalmente “mobiliza sentimentos”.
Neste sentido, talvez tenha existido poucos ídolos como Diego Maradona.
Fonte: BBC NEWS BRASIL